quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Olhos nus.


 
Você tem todos os significados, descritos e recolhidos, em um significado apenas (posto na escuridão de uma noite vazia, numa rua vazia sem nada no céu).
Você tem o falar certo de quem possui o coração cheio; o coração inchado; que cicia e silencia sem admitir contradição.
Você tem a ronquidão interior que faz um sonho, enquanto espera para ser sonhado - afinal, tudo pode tardar, para você, além do amor.
Você tem, às vezes, o distanciamento, eu sei, de sua condição animal (sua condição desejante de ser animal) para bem fingir ser desse mundo. Esse mundo que a razão é a primeira a levantar da cama e sofre de insônia constante, enquanto os sentimentos dormem, tão profundamente, que chega dar (des)gosto. Mas você é das mentiras, a mais doce e também das verdades ardentes, a mais sem continuação.
Tem, porque lhe puseram, montanhas que te separam de você. Tem, porque lhe é inevitável, entre um pulsar e outro, versando uma poesia. Tem, por descuido de inconsciência,o desconserto do mundo.
E tem que encontrar alguém que entenda que seu silêncio, muitas vezes, é sua liberdade. Alguém que te repare assim: Através de seus olhos paternos, de seus olhos ateus; de seus olhos sem segredo.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Fernanda explica.

Como marionete do presente, eu sigo ao destino na tentativa de apenas equilibrar conhecimento e fé.
Por trás de uma capa feita de madeira, eu vou escondendo o que move os fios da marionete: Meu coração.
Algumas circunstâncias revestiram a capa, como membrana e citoplasma. Outras a lixaram, fazendo tanta solidez, em grossa espessura, virar pó - e consequentemente aproximando-se mais de tal área quase inacessível.  
Sinto-me andando ora ao lado, ora acima de um chorume que prolifera em "um tempo-modernidade".É como se eu tivesse ficado dias sob o ar condicionado com os olhos abertos. Minhas lágrimas secaram.
Romântica que fui, dispenso-me definitivamente de sentir, porque dispenso-me de mim individualmente.
Pensar não depende de sentir, porém de, talvez, algum sentido. E não tenho feito outra coisa menos manual, se não pensar.
Então, agora sim, vejo a grama toda tendendo a asfalto; todo o meu corpo resistindo ao cansaço; a tarefa da mente resumida apenas ao manual e sendo ela (a mente), para todo o resto, quase inteiramente falha.
Afinal, o coração em si, tece algum trabalho? Ou ele cria o trabalho pra se tecer de alguma forma?
Ora ando ao lado do chorume, porque cultivo a modernidade. Ora acima porque,embora eu a espiritualize, é somente para ela o meu ódio. O meu insulto. A minha aversão.

Onde é que ficam os reacionários?

Encontrei um balão do céu no chão.Não procurava por ele, nem era assim tão chamativo, mas cruzou meu caminho (não meu destino).
A princípio queria enchê-lo em um sopro, depois entrar para dentro dele e me esconder de todos (até de mim). Mas, não sei bem... Não sei bem se havia espaço.
Vi, entretanto, que um balão cujo o peso e a grandeza é como o da junção de muitos, pode não conseguir sair do lugar. E, depois de um caminhar quase longo de demorado, e quase inútil de só, percebo que tive o meu balão encostado no chão também.
Por isso é que, agora, eu não sei se devo ir para a outra linha, ou se devo... Ficar  por aqui?

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Pássaro-gente.

Asas do azul - da água e do ar
Corpo do asfalto.
Cante para mim? Sua canção soa cantiga
Sua voz não desafina!
De onde você vem? Para onde você vai?
Se eu der-te um sorriso errante,
Com quaisquer que sejam suas respostas,
Me leva com você?
Ou fique, simplesmente:
Estacione no meu mistério, repouse sobre o meu ombro...
Não acredito que exista um ninho sequer, que acolha bem sua grandeza.
Ô, meu pássaro peculiar...
Só você pousa e canta rock n' roll na janela dos meus ouvidos.
Entretanto,
Eu sei,
Não posso te vender o meu ontem, nem te prometer meu amanhã.
Tampouco posso segurá-lo entre os dedos.
Então voe, "pequeno", até onde meus olhos não alcançarão.
Você verá que os seus sonhos da terra,
Os que tanto alimenta,
Já foram conquistados todos
E estão pendurados no céu, esperando que os apanhe.
Então, vá!
Pinte meu horizonte e desenhe nele uma imensidão de incertezas
Depois sobrevoe na minha saudade
E, toda vez que acordar, desperte:
Cada pena sua,
Vale a pena.
Eu deixo meu otimismo livre, mas acho que de tanto vagar pelo mundo, sem abrigo e sustentabilidade, ele tá para morrer seco ao sol ou fraco de ser.

O que eu sou:

Sou o desenho primário e mal feito que uma criança, com pressa, criou. E, por ter pressa, esqueceu de colorir.

Portuguemática.

É um, é dois, é três... Vê-se: Os números são contrações das palavras. Desenhos que viraram lógica: Uma lógica exclusivamente prática tendendo a um infinito vago, o qual se fosse um pou-qui-nho humano nomearíamos ficção.
Conto com os dedos. Não para calcular as magias matemáticas (ou dilemas, no meu caso), mas para caminhar descalço, segura: Ora com a ponta dos pés, ora pisando firme e fundo, para deixar rastros.
Assim vou, respeitando a minha mente dentro do meu sigilo, escancarando a voz numa progressão aritmética à geométrica, sem ninguém escutar.
A complexidade me atrai. Os números complexos revelam sua identidade real e imaginária, sem dizer e sem descrever cada uma delas.Isso por que são exatos? Sim, e porque são, sobretudo, fiéis à ambiguidade de serem exatos.
Porém nem com toda a minha contemplação e identificação acredito que esses me representem com completude. Teríamos que juntar também permutação simples (pelos n elementos distintos e ordenados) num todo conjunto verdade. E ainda assim acharia-me concisa demais.
Não sou a razão da álgebra, embora pouco entenda sobre a da racionalidade.
Nesse vai e vem de números, que vou me encostando, manuseando... Por um motivo apenas, encosto o tédio.
Os modelo na forma idêntica das palavras feitas para dizer sem segredo, sem problematização e raciocínio técnico. Se então eu, algum dia, souber dizer-me com lealdade através delas, direi muito antes sobre elas somente: Doce esconderijo que construi.
Desse meu caminhar:
Estrada única, de mão única.

Oito versINHOS pairando na imensidão.

Antes que para mim a manhã acabe,
E a tarde adormeça pela ausência dela...

Antes que a noite me invada,
E morram meus olhos nos olhos dela...

Antes que a esperança perca as asas,
E caia de sob o irreal:


Eu quero antes voar no verde dela.
Eu quero dela a queda colossal!

Evasão espaço-tempo.

Ele está pensando em mim.
Eu, escrevendo.
Ele deitou.
Eu fechei os olhos.
Ele recorda o cotidiano e os poemas;
Os nossos dedos encaixando-se e juntando as nossas mãos...
Eu abro os olhos.
Ele encolhe as pernas,
Cobre-se,
Suspira.
Eu abraço o travesseiro com um braço;
Direciono a luminária;
Volto para o papel.
Ele luta com a imaginação: Quer dormir.
Eu brinco com a imaginação: O quero.

Hipocrisia.


Ainda ontem conversava sobre hábitos.
Em suma, destaquei o de as pessoas não viverem mais os momentos, para retratá-los.
Lembrei-me de uma viagem para Minas Gerais, quando, enquanto eu tomava banho na cachoeira, a maioria das pessoas somente a fotografava ou a filmava. E também de quando assisti a queima de fogos na festa julina do meu colégio... Muitos a assistiram por detrás da lente - quanta superficialidade!
No entanto hoje, repousando a cabeça na almofada e massageando os pés do meu pai, pensei em pensar se eu, em outras circunstâncias, também não troco a vivência pelo vestígio.
Se deixei, algumas vezes, de optar pelo tangível para optar por algo longe... muito longe de se tatear. Isso porque simplesmente não quis fronteiras para o pensamento, mas quis para o corpo, a acomodação.
No mais, os ícones sempre foram condenados por mim. Meu espírito simbolista não permite que eu vá direto ao ponto; que eu fale sem devaneios; que não abdique de toda forma objetiva de ser.
Crio-me, não como quem cria: Mas como quem autoriza a naturalidade da própria criação. Não como quem rega a flor para que ela cresça, mas como quem tem o poder de autorizar que chova.
Assim, muitas vezes, me couberam as coisas: Dignas de imaginação. Indignas de lembranças e atos.
A vida não tem meus olhos diretamente nela. Sempre houve, e ainda há, um intermédio, a lente, uma ponte de refúgio.
Gosto verdadeiramente da covardia.
Escrevi sobre minha angústia, mas falava sobre ele. Escrevi sobre meu constrangimento, mas ainda falava sobre ele. Aí, então, decidi escrever sobre sentimentos mais fortes como ódio, amor, piedade, paixão... Mas caí, novamente, na determinação (ou, impasse?) de continuar falando sobre ele. E quando, finalmente, me disponho a escrever dele, não encontro o que dizer.

Incógnita.

Eu ando no sentido contrário à massa.
Sou o previsível apaixonado pelo imprevisível e por tudo que o faz ser.
A personificação do fracasso;
O choro preso, sufocado, apertado, condenado pelo orgulho, pela formação do ego.
Sou as idéias, as atitudes e escolhas que fiz e as que deixei de fazer.
O orgulho de um pai, a muda da indignação.
Sou tudo aquilo que agride a retina de quem olha a fundo.
Tão introvertida quanto Escobar e tão duvidosa quanto Capitu
Sou toda uma mistura de sentimentos
Não podendo deixar transbordar nenhum deles no rosto pra não correr o risco de alguém, que não mereça, vê-los.
Sou a ingenuidade tentando ser melhor amiga da malícia.
Os objetivos que eu traço
E o pessimismo que eu derramo sobre as minhas expectativas.
Sou cheia de cores, cheia de fomes...Costumes e amores.
Sou feita das coisas que eu consigo, e das que eu não consigo.
Sou o que calo, o que eu escondo até de mim.
Observadora e crítica ambulante do ser humano
Quem se deixa atrair perdidamente pelo inalcançável.
Quem quer tudo em fonte maior, em negrito, itálico, sublinhado.
Eu deixo que meus sonhos me incorporem
Portanto, sou sonhos pela metade.
Mas sou também inteira o que eu escrevo.
Imagem e fundo
Fundo e imagem.

Hoje.

Hoje eu acordei, escovei os dentes, folheei rapidamente um jornal de ontem e vesti um uniforme velho. Depois ajeitei a cabeça da minha irmã no travesseiro, dei um beijo em sua testa e saí.
Estava frio. O ar gelado entrava por entre o meu agasalho e fazia arrepiar minha pele. O cachecol que cercava meu pescoço desabrochava sob meus ombros conforme eu andava, e sentia meu nariz esfriar mais que qualquer outra parte do rosto.
Entretanto, a claridade que vinha do céu e que fazia o dia parecer dia, beijou meus olhos.
Eu ouvia atentamente cada som externo como se, a partir dali, eu nada pudesse arrancar de dentro além do pleno silêncio refletindo todo o vazio que já cansou de me incomodar.
Hoje eu me dividi em mil partes, sem identificar nenhuma delas.
Eu estou aqui, mas também estou lá. Estou te ouvindo e na mesma hora tentando ler o lábio de um, os olhares de outro.
Hoje eu abandonei as extremidades que tanto me seduzem e adotei os meios termos, as opiniões em cima do muro, as respostas curtas.
Hoje só esboço meio sorrisos. Meus olhos são fixos.Dispensei a demora nos abraços.
Hoje as perguntas se calaram e as incertezas sussurram de um jeito agradável e conquistador.
Estou estagnada, porém sinto-me viva. Peguei as dores de todas as injustiças do mundo; peguei a pureza de cada criança em cada calçada.

Sobre o meu escrever.

Quando eu pego para escrever eu me visito em todas as partes. Junto todos os cacos e pedaços desorganizados dentro de mim.
Quando escrevo eu me encontro comigo, consigo avivar o que está prestes a morrer, matar o que está prestes a nascer e alimentar o que já nasceu, desenvolveu e me habitou.
Quando me ponho a falar através das mãos, eu me deixo ser controlada por elas e pelas palavras que saem delas num fluido.A atração disso é tanta, que me leva a cegamente vomitar tudo o que se fazia oculto, se fazia secreto, analógico, e me faz mal.
Mas calma, não fique achando que gosto de me esconder, por favor.Tenho pavor de efusão, mas não pretendo enterrar meu eu dentro de mim. Só o que faço é jogar um pano em cima dele, e deixar os outros -que souberem, quiserem e forem capazes - tirarem o pano. E, eu diria que, a única forma mais nítida de eu mesma fazer isso é perante o papel.
Escrevendo meu coração bate de um jeito sincronizado, porém com ritmos hiperbólicos.
Escrevendo eu perco o juízo, me jogo em todos os abismos que me depararem. Tenho as respostas, as perguntas, o certo, o incerto...
Escrevendo eu vejo o sol se pôr e ir embora. Me viro do avesso, faço festa, fico em luto e fico nua.
Escrevendo eu canto minhas derrotas e vitórias. Aumento e diminuo meu ego.
E escrevendo eu posso também levantar vôo e voar longe. Longe das realidades, no mais alto poder de imaginação.
Escrevendo eu sou pura, sou suja, sou culpada, sou inocente, sou verdade, sou mentira.Do mesmo jeito que escrevendo eu chego perto de mim, escrevendo eu fujo de mim, quando eu quero.