sábado, 26 de maio de 2012


Como é graciosamente longínqua a ideia de carregar um filho seu. Fiquei montando e, depois, emoldurando, na minha cabeça, como ele e as coisas seriam: Ele teria olheiras leves sob olhos fundos; teria um sorriso malicioso como quem acaba de fazer algo errado; um jeitinho metódico; a barriga fofa.
Que lindo é o filho que não temos! Todos diriam que é a sua cara. E eu ficaria tentando achar semelhanças, entre mim e ele, na orelhinha, no nariz ou nas manias. Ele seria todo você - a vó diz que os meninos sempre puxam o pai.
Eu o ensinaria o português e o mandarim, você o inglês britânico e, sem admitir, o ensinaria como ter a sua postura, a comportar-se como você.
Todas as vezes que o visse, o viria com a inconformidade de ter, um dia, odiado crianças. Todas as vezes que o visse abraçar a sua batata da perna, se inclinaria, só um pouco, para passar as mãos nos cabelos do pequeno, e voltaria a se pôr na coluna rigorosamente reta -mas com os olhos já polidos de severidade, e afáveis.



Cabe duas de mim neste seu agasalho? Cabe, entre a gente, um pouco mais que tesão, culinárias e segredos.
Vamos tomar tequila ou um suco refrescante? Vamos viajar para qualquer lugar, ou andar sem destino? Vamos fumar um cigarro, cantar Los Hermanos, tirar foto de tudo?
Vamos ter o nosso filho, o nosso cômodo no nosso canto?
Eu te amo.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

álgebra da amizade.


De tantas ideias que inundaram a minha mente, cheguei a pensar que, num soluço, eu explodiria e me desmancharia em palavras desconexas, um bocado de letrinhas soltas no ar.
Não imaginas, mas... Não te escrevi logo depois do livro roubado e presenteado, porque eu queria que as palavras viessem para mim como vêm agora – estranhamente casuais.
Will, não sei explicar muito bem coisas tão concretamente factuais como a nossa amizade. Queria fazer algumas metáforas, para tentar dizer melhor:
Cobertura vegetal. Quando cai a chuva e cai antes sobre as folhas das árvores a chegarem com menos impacto no solo... sabes, me causa isso: tudo o que é problema - chuva forte – que derramo sobre  você, você minimiza a fazer que até mim chegue só o que já foi em parte suportado; aliviadas gotinhas que penetram num campo real como um solo que, apesar de úmido, não afogam os meus pés.
Quando torço uma roupa e meus braços ficam mais fortes, talvez seja como torcer aquelas angústias que a falta de conhecimento me traz. E, por exemplo, a conceituação do que é o amor ou do que é a família, destorcem o pano. Por alguns instantes, chacoalho a roupa como se chacoalhassem as outras tantas concepções advindas dessa e... E a visto – agora com os músculos, dos braços, descontraídos, mas com a sensação de estar ainda mais forte; menos angustiada.
Enquanto você quase transforma as abstrações em objetos palpáveis, por ter tanto domínio das coisas que diz, eu só consigo pensar em um pouco de literatura e análises de linguística. Não consigo nem dizer.
Sim, descobrimos o amor e por isso não vou tentar fazê-lo caber aqui (nem metaforicamente). Atrevo-me ainda menos, quando tampouco espremo os dizeres afetuosos a serem ditos na tentativa de aqui fazê-los caber - com um pouco de fidelidade -  ou de fazê-los compactarem com aqueles mais dispersos na mente por um triz de um soluço.
Frente à convivência, à confiança e tudo o mais, resta-me me desculpar pela falta de completude e lembrar-te daquele conto em que Dito morreu – conhece esse?
Pois bem. O fato é que Dito morreu e, nessas horas, convenço-me de que só eu, Guimarães Rosa e Miguilim, conhecemos a dor da perda do dito.






Para: William Paniccia Loureiro Junior.
=)

                                                                                   



segunda-feira, 14 de maio de 2012

Terra à vista!

Se tem uma terra que não se anda, é a terra do coração.
É uma terra, moço, que eu não quero que pise, e que eu não queria pisar.
Mas se vires bem, virá:
É a terra pr’onde a gente vai.
Pois outras não têm, no passado e nem no agora,
Pra a gente viver ou regressar.

Pegue logo os seus troços e roupas;
Pegue logo suas coisas todas, e bote-as na mochila;
Pegue cá, logo, a minha mão, moço, e vamos pra lá.
Não hesite, num faça hora...
Nós não vamos mais ficar:
Vamos para ficar.

Lá, na terra do coração, ninguém mais há de ir.
Vamos viver cotidianamente e, por vezes, fora do cotidiano.
Podemos até acordar para vidas diferentes todos os dias;
Podemos! ...Vamos?
E vamos, juntos, todos os dias,
Dormir e acordar.



sexta-feira, 11 de maio de 2012

sinestesia embaralhada.


            Caminho, todos os dias, pelo mesmo caminho de todos os dias, com os mesmos olhos endurecidos. Caminho até você, às vezes, sem querer. Mas, involuntariamente, quando está sozinho, meus olhos se arrastam e te fazem companhia pelos corredores. Acompanham e admiram.
            É assim todas as vezes. Não que’les sejam encantados por você... é que já senti sua voz encostar na minha nuca, e o seu beijo alisar a minha orelha.  É que seu cheiro era amargo, que sua voz era quente, e que o contrário também procedia: Sua voz também era amarga, seu cheiro também era quente.
            Eu não entendi mais nada depois que você começou  a me aparecer em forma de frio na barriga, e gostinho de cafeína. O meu coração começou a respirar e minha respiração a bater.
            Não sei de mais nada:
                                                                                                        Está
                        
tudo
                      
                          delirando

                                        entre                                   os                     
                                                                                                         
                                                                                                       meus                                         sentidos.









domingo, 6 de maio de 2012

... Ficamos assim por juntar os dedos, quando o que eu queria era juntar (um pouco) os nossos destinos.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Texto mal vestido.


Na primeira aula de linguística, se aprende que o analista transita entre três intenções: a intencionalidade do autor, a do leitor e a da obra. E daí sai todo o sentido da semiótica – todo o sentido de haver estratificações entre significante e significado (e de haver um significante dando acesso ao significado).
Tirando a percepção caótica que isso tudo engloba...Eu gosto da ideia essencial da semiótica.
Gosto da autonomia que pode ter os meus discursos mesmo quando presos numa expressão tão simplista.
O que eu concebo e o que eu guardo, o que eu construo de mim e o que você constrói, a partir de um enunciado; a forma de dizer e o que é dito, a paixão e a persuasão, a intencionalidade discursiva e a minha intenção, a partir de um arrebatamento descuidado dos dedos ou da fala.
Digo, aqui, como se soubesse bastante sobre semiótica. Você lê e acredita ou... você lê e ri, pela ingenuidade com que isso é escrito.
Sem muito pretexto ou caráter moral, acho que queria inaugurar com vocês a simpatia desse pragmatismo (quase-paranóia) que é pensar que todo discurso pressupõe uma roupagem - efetivamente factual só para o enunciatário.
Ai, que lindo! Que louco!